Vale a pena lutar pelo que queremos

Quem vê Flipper Nuñez reunindo 200 pessoas no centro cultural comunitário de sua comunidade não imagina que há pouco tempo o jovem, que tem 21 anos, era muito tímido. Indígena da etnia taurepang e morador de Tarau Paru, comunidade indígena na fronteira do Brasil com a Venezuela, Flipper faz parte do fluxo migratório venezuelano. Acabou vindo ao País durante um conflito na região onde vivia. Agora, há três anos no Brasil, agarrou uma oportunidade para ajudar adolescentes e jovens de sua comunidade a lidar com um tema urgente: a saúde mental.

O jovem é voluntário da Estratégia de Mobilização Comunitária com a Participação de Adolescentes, chamada de Cmaps devido à sigla em inglês, iniciativa do UNICEF em parceria com o Instituto Pirilampos e a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), que busca unir jovens na cocriação de soluções para os problemas enfrentados por suas comunidades, em Roraima.

Com um tablet na mão, Flipper realiza levantamentos, recebe opiniões e pedidos da comunidade e busca levar informação confiável para onde vive. Assim como outras comunidades de indígenas taurepangs-pemóns na fronteira, Tarau Paru está entre as mais severamente impactadas pelo fluxo de refugiados e migrantes da Venezuela. Dos 900 moradores, cerca de 600 são indígenas venezuelanos que foram acolhidos nos últimos anos. Mesmo separados entre os países, trata-se do mesmo povo indígena, com origem linguística e laços de parentesco.

Mas o processo de migração forçada devido a episódios de violência, aliado à necessidade de integração em um novo país e comunidade, além da pandemia, agravaram as necessidades da comunidade. E, para Flipper, aumentaram as dificuldades vividas por adolescentes e jovens em particular: um de seus amigos tirou a própria vida.

“Perdi pessoas e seres queridos. Desde que perdi meu amigo próximo, comecei a ver as coisas de forma diferente. Não queria perder outra pessoa”, conta ele. Foi então que teve a ideia de falar sobre o tema com os adolescentes e jovens de Tarau Paru. Dialogou com a escola da comunidade, que apresentou um pedido parecido. Depois, decidiu mobilizar toda a comunidade e usou os recursos que tinha: organizou uma palestra com o UNICEF e parceiros sobre o tema, mandou o convite em seu grupo comunitário de WhatsApp, passou nas casas e ainda reforçou o convite durante um encontro geral da comunidade.

Foto mostra uma sala lotada de pessoas sentadas de costas para a foto. Na frente, há uma funcionária do UNICEF em pé, falando.
UNICEF/BRZ/Josiele Oliveira
Encontro sobre saúde e autocuidado reuniu quase 200 adolescentes e jovens da comunidade. Necessidade de tratar o tema foi levantada como prioridade por Flipper, que é mobilizador comunitário da rede Cmaps.

O resultado foi um sucesso: quase 200 adolescentes e jovens indígenas, venezuelanos e brasileiros, participaram da palestra “Saúde dos jovens indígenas”, um momento para refletir sobre a própria saúde e a importância de cuidar de si. “Para mim, foi uma alegria ver as pessoas participando”, lembra Flipper. “Eu falo com outros jovens e gosto sempre de tocar nesse tema, para que não se sintam sozinhos,” conta.

Seguir lutando
Para além da saúde mental, Flipper já enfrentou muitos desafios desde que deixou sua casa na Venezuela para se adaptar a um novo país e idioma. Caminhava por horas todos os dias de Tarau Paru até Pacaraima – município brasileiro mais próximo da comunidade – para frequentar a escola e conseguir um diploma de ensino médio.

“Eu não estava trabalhando, era muito tímido e tinha medo de sair para falar com as pessoas”, conta. Quando decidiu se tornar o primeiro mobilizador comunitário da Cmaps em Tarau Paru, Flipper passou a receber capacitações sobre temas como mobilização, trabalho com adolescentes, técnicas de monitoramento e pesquisa, combate às “fake news” e como acessar serviços e direitos, como vacinação, assistência social e mais. Tudo para poder seguir a missão de levar informação de qualidade e escutar a comunidade. “Por meio das capacitações, comecei a me desenvolver e aprender, a perder meus medos. Minha mentalidade se abriu: hoje creio que posso atuar facilmente em qualquer situação”, diz.

Após quase dois anos como mobilizador da Cmaps, Flipper garante que esse é apenas o começo da sua história. Sonha em entrar na universidade e seguir sua vida no Brasil. “Quero estudar e ser médico, porque gosto de ajudar as pessoas. Um verdadeiro herói se mede não pela sua força física, mas pela força do seu coração e humildade. Vale a pena lutar pelo que queremos”, diz.

Foto mostra um jovem de pé mostrando algo para uma mulher sentada. A mulher está sentada a uma mesa, onde estão várias outras pessoas sentadas também.
UNICEF/BRZ/Marco Prates
Flipper mostra informações para pessoas da comunidade sobre como acessar serviços no Brasil. Ele também realiza levantamentos de necessidades, coleta feedback dos serviços e engaja a população para atividades importantes.

Sobre a Estratégia de Mobilização Comunitária com Participação de Adolescentes (Cmaps)
A Cmaps é uma iniciativa do UNICEF, em parceria com o Instituto Pirilampos e Adra, para envolver jovens na cocriação de soluções para os problemas que identificam nos locais onde vivem, no contexto do fluxo migratório da Venezuela no estado de Roraima. Esses mobilizadores voluntários (entre 18 e 24 anos) recebem um tablet e uma bolsa (para aquisição de dados móveis), para atuar dentro das suas comunidades – entre abrigos oficiais, ocupações espontâneas e comunidades indígenas em Boa Vista e Pacaraima. É formada atualmente por 25 jovens que realizam levantamentos das necessidades das famílias, disseminam informações confiáveis, mobilizam a comunidade e coletam sugestões para as intervenções nos locais onde vivem. Estratégia nascida para contornar a falta de acesso às comunidades durante o início da pandemia da covid-19, a Cmaps logo desenvolveu-se como uma rede que visa ao desenvolvimento das habilidades dos jovens participantes, que recebem capacitações periódicas enquanto integram a estratégia, incluindo em mobilização comunitária, liderança, direitos, monitoramento e avaliação, entre outros temas.

A estratégia é possível graças ao apoio financeiro dos Estados Unidos, por meio do Escritório para População, Refugiados e Migração do Departamento de Estado (PRM, na sigla em inglês), da União Europeia, pelo Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária (Echo, na sigla em inglês), e do Acelerador de Acesso a Tecnologias da Covid-19 sobre vacinas, tratamentos e diagnósticos (Access to COVID-19 Tools Accelerator).

Via: UNICEF